sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O dia em que o BR foi pro brejo




Apresentação do personagem central da história

Quando fiz 18 anos, ganhei do meu pai um BR-800, carrinho todo pequenininho que a Gurgel fabricava. Lindinho (quero deixar claro que não sou dessas pessoas nhém-nhém-nhém que falam tudo no diminutivo; quem já viu um BR-800 sabe: é MUITO pequeno), azul bebê, com um mini-volante, um mini-porta-luvas e até um mini-teto solar. Era guerreiro o BR: agüentou bem a viagem de Brasília a Viçosa (mais de mil quilômetros) e segurou o tranco com valentia na cidadezinha cheia de ruas de paralelepípedo e estradas de terra esburacadas.

Anos depois, meu pai trocou o carro dele e me deu o Monza que ele tinha. O BR ficou de herança pra Vivi, minha irmã, que também morava em Viçosa na época.


Prólogo

Férias de verão em Viçosa. Nessa época, minha irmã já era casada e morava num chalé no alto de um morro. Subia-se por uma estradinha muito íngreme, praticamente uma parede. Ela viajou com a família e deixou as chaves do chalé comigo. Eu tinha ficado em Viçosa para a formatura de vários amigos queridos, entre eles o Claudião – que viria a ser meu namorado e, alguns anos depois, ex-namorado (mas na ocasião eu ainda não sabia disso).

Abro um parêntese pra contar que formatura em Viçosa é um megaevento. A festa, que acontece no sábado, reúne todos os formandos de todos os cursos da universidade – alguns milhares de pessoas – e seus convidados. Comida e bebida à vontade até as 7 ou 8 da manhã, quando é servido o desjejum, que deixa o de muito hotel no chinelo. Depois disso, os participantes devem reunir as forças restantes para comparecer ao churrasco, realizado no domingo num lugar lindíssimo dentro da universidade, chamado de Recanto das Cigarras. O convescote começa com a chegada dos primeiros sobreviventes e dura até acabar toda a cerveja. Tudo de graça – para os convidados, claro; os formandos passam anos pagando suaves prestações pelo nababesco acontecimento. Resumindo: imperdível.



Recanto das Cigarras - foto do site da UFV


Coitado do BR

Mas então: a família do Claudião ia chegar em poucos dias para a formatura e o cabeça de vento não tinha reservado hotel para eles. Agora todas as vagas em hotéis já estavam reservadas. Como eu já conhecia a família – incrível, por sinal; depois do fim do namoro, senti mais falta deles que do namorado propriamente dito –, ofereci o chalé para a hospedagem.

Na véspera da chegada da família, fizemos uma feijoada no chalé. Depois, todos foram a uma festa e eu fiquei, para tomar banho e me arrumar. Depois encontraria o pessoal na cidade. Mas na hora de ir, ao ligar o meu carro, verifiquei que estava com muito pouca gasolina. Resolvi ir com o BR. Tirei o carro e saltei para fechar o portão. Deixei o BR ligado e, juro!, o freio de mão puxado. Quando estava fechando o portão, senti um movimento atrás de mim. Olhei e já era tarde demais: o BR estava descendo a ladeira a toda velocidade. Cruzou a rua de baixo, voou por cima do meio-fio, continuou descendo o morro de terra que vinha em seguida e parou quando bateu em uma árvore. Desci a ladeira atrás, praticamente rolando .

O acesso ao carro era difícil, mas eu consegui chegar até lá e fazer o que estava ao meu alcance no momento: desliguei o motor e peguei a chave. O terreno era íngreme, não tinha como subir de ré, e eu não tinha a menor idéia de onde conseguir um guincho em Viçosa àquela hora. Como diz a minha avó, o que não tem remédio remediado está. Subi a ladeira, peguei meu carro e fui pra festa.

Dormi na minha casa e só voltei ao chalé no dia seguinte. Chegando lá, dei de cara com a perplexa família do Claudião, olhando de boca aberta pro carro lá embaixo. Chamei um guincho que me custou (nunca vou me esquecer) 70 reais, preço muito acima do mercado de guinchos da cidade e uma fortuna para mim na época. Só me senti um pouco melhor quando o explorador dono do guincho enfiou a mão numa árvore cheia de espinhos no tronco. Bem feito!

Tive que agüentar muita gozação o fim de semana inteiro. E depois, durante os quatro anos em que namorei o Cláudio, fui obrigada a contar essa história muitas vezes, pra todos os membros da família que não tinham ido à formatura.

Epílogo

Como o BR é feito de fibra de vidro, em vez de amassar ele quebra. Nesse caso, o pára-choque ficou todo trincado. Levei uma merecida bronca da Vivi. O carrinho, coitado, nunca mais foi o mesmo – ainda passou um tempo com a Vivi e depois foi vendido. Não tenho idéia de quem foi o maluco que comprou.

8 comentários:

Gastón disse...

Nana, Gurgel não é carro. É Lego.

Anônimo disse...

Posso imaginar a cena da família olhando o carro lá embaixo... háháhá!!!

Anônimo disse...

tem carros que são assim, entram na família e só saem dela quando se suicidam.... tive um twingo assim que foi até Recife comigo e de lá não voltou mais, mas era um amignao, forte, valente e nunca me deixava na mão.... Mas BR é clássico.... pena que acabou..... tadinho do seu..... bjs Re

Nana disse...

Gaston,
É! E com motor de enceradeira.

Dani,
Embasbacados, boquiabertos, estupefatos...

Re,
Salve o BR! Tomara que ele esteja bem, onde quer que ele tenha ido parar!

Núcleo de Estudos de Linguagem e Sociedade disse...

É tudo mentira!! A Nana não contou que quando eu voltei de férias a moça que trabalhava em casa pediu demissão de tanta zona que a Nana tocou no chalé!! Família do Claudião nada!!! Era rock bagaceira todo dia!! hahahaha!!!!!
O doido que comprou foi o tio do Bruno, que levou pra Vitória e revendeu pelo dobro. Agora quem foi o doido que comprou dele eu não faço idéia!!!
Eu amava meu BR... snif...

4rthur disse...

O Gurgel, dizem, é o único carro 100% brasileiro. Dizem também que o presidente do MV Brasil tem um, e se orgulha disso. Sabe o MV BRasil, aquela galera que não diz e-mail e sim correio eletrônico, não diz drive thru e sim entrada, não diz site e sim página?

urbenauta disse...

Um dia vou comprar um BR-800 e vou restaurá-lo por inteiro!

Nana disse...

Vivi,
Frescura dela. Era família, sim! Pai, mãe, tio, tia, avô, primos...

4rthur,
Mas foi por isso mesmo que meu pai comprou o carrinho! Será que ele é dessa galera nem me contou?

Urbenauta,
Vale a pena, o carrinho é guerreiro.