quinta-feira, 31 de maio de 2007

O escândalo

Aos 11 anos, a Vivi, minha irmã, resolveu fazer uma cirurgia plástica. Nada radical, só uma correção de orelhas de abano. As orelhas não eram grandes nem muito abanadas, mas ela se sentia tão incomodada com elas que não usava cabelo curto nem rabo de cavalo. Fotos do balé, com aquele indefectível coque, eram proibidas até de passar perto dos porta-retratos.

No pré-operatório, exame de sangue. Minha mãe, minha avó e eu fomos acompanhá-la. Não sei se era um laboratório especializado em crianças, mas o fato é que havia muitas delas na sala de espera naquele dia.

Chegou a vez da Vivi, que entrou com a minha mãe. Três segundos depois, começou. Não havia a menor dúvida, era a voz da Vivi. Aos berros. “Nãããããããããããão! Eu desisto! Não quero mais operaaaaaar! Socoooooorro!”

Na mesma hora, todas as crianças da sala de espera começaram a chorar também. Gritos tomaram conta do lugar, a situação estava fora de controle. As crianças esperneando, as mães sem saber o que fazer, as enfermeiras correndo de um lado pro outro.

No meio desse caos, a Vivi sai do reservado e diz, cantarolando, com a cara mais inocente: “Não doeu nada”. Fomos embora, fuziladas pelos olhares de todas as outras mães.

PS: Outro dia, quase vinte anos depois da cirurgia, a Vivi me contou que viu uma coisa esquisita, um pontinho preto na orelha. Achando que era um mega-cravo, tentou espremer. Como o negócio não saía, resolveu tirar com uma pinça e... era um ponto da operação! Na hora imaginei ela tirando o ponto e a orelha, ploft!, voltando pro lugar. Haha.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Mais perdida que cego em tiroteio


Não bastasse segunda-feira já ser um dia infeliz por definição, hoje um acontecimento extraordinário veio animar a minha volta do trabalho para casa: um tiroteio básico. Para incrementar um pouco mais o evento, os traficas resolveram lançar uma granada perto da estação de trem que fica bem na minha rota – ainda bem que isso foi antes do fim do expediente. Ah, as alegrias de trabalhar na região carinhosamente apelidada de Faixa de Gaza!

Resultado: o portão por onde eu sempre saio ficou fechado e todos tiveram que usar a outra saída, na Avenida Brasil. Estaria tudo bem, se não fosse uma pequena deficiência que eu tenho, de localização espacial. Imagino que eu tenha herdado o gene da desorientação ou que sofra da falta de algum neurotransmissor no cérebro. Ou labirintite, talvez. Seja o que for, causa desagradáveis efeitos: só decoro um caminho depois de passar muitas vezes por ele – dirigindo, porque se eu for de carona, não aprendo nunca.

Com muita boa vontade, meus colegas tentaram me explicar o trajeto que eu teria que fazer. Quando viram que era inútil, o Guto achou por bem desenhar um mapinha que possibilitasse a minha volta para casa sem maiores percalços. Afinal, não é nada saudável se perder num lugar desses nunca, ainda por cima com um tiroteio nas proximidades.

Funcionou! Bom, na verdade eu me perdi um pouquinho, nada grave. Dei a volta duas vezes no mesmo quarteirão, tive que pedir informação pra um cara que dirigia um carro do correio, mas no fim deu tudo certo. Cheguei sã e salva em casa graças ao mapa. Porque se eu fosse depender da sinalização das ruas... Por isso, agradeço publicamente. Valeu, Gutão!

Não, Valentina! Nãããããããão!!!!!!

Pensei seriamente em devolver a Valentina. “Ué, mas você não estava tão apaixonada pela gata outro dia?”, vão me perguntar. Foi repentino, eu sei. E explico. Vamos aos fatos.

A decisão de adotar a bichana foi tomada num impulso. Fiquei tocada pela triste história da gatinha e pelos seus lindos olhos verdes. Fazia tempo que eu queria um bicho de estimação. Minha primeira escolha seria um cachorro, animal que me é bem mais familiar. Mas eu passo o dia todo fora, seria maldade. Aí me disseram que gatos são menos carentes, ficam sozinhos em casa numa boa. É, ficam sim. A casa é que não fica nada bem.

Nos primeiros dias tudo ia às mil maravilhas. A Valentina dormia quase o tempo todo, aonde eu ia, ela vinha atrás – uma gracinha! Mas só porque ela ainda não estava ambientada no meu apê, descobri depois. Foi só começar a se sentir em casa pra botar as unhas de fora. Literalmente.

Na quinta-feira, cheguei em casa e encontrei um pano de prato destruído no chão da cozinha. “Ah, tudo bem. Eu estava precisando de panos de prato novos, mesmo. Só que não vou poder mais pendurá-los aqui”, pensei. Mas no dia seguinte, a surpresa foi mais desagradável. Minha tieflera querida estava destroçada. Isso me deixou bem mais chateada que o pano de prato. Tinha sido presente da minha avó, logo que me mudei. Na época tinha só duas folhinhas, um bebê planta. Depois de quase dois anos, havia se transformado num arbusto vistoso no canto da minha sala. E agora estava reduzida a um caule todo arranhado e... duas folhas.

Chegou o sábado, primeiro dia que eu ia passar inteirinho com a Valentina. Notei que os brinquedos que eu comprara – bola e ratinho de pano – não prendiam sua atenção por muito tempo. Ela estava mais interessada em outras atividades, como desfiar o tapete e derrubar os CDs da estante. Parti para as tarefas domésticas de fim-de-semana. Botei a roupa na máquina e fui passar um pano no chão da cozinha (que cheirava a zoológico). A Valentina largou o tapete e os CDs pra correr atrás do pano. Botei a gata na sala e fechei a porta da cozinha para terminar o serviço.

Chão limpo, cozinha cheirosa, voltei pra sala e dei de cara com a pestinha empenhada em destruir o sofá que eu ainda nem terminei de pagar. Respirei fundo e fui tentar distraí-la com os desprezados brinquedos. Deu certo por um tempo. Pendurei a roupa lavada e saí pra comprar uma coca-cola.

Juro que não demorei nem cinco minutos, mas quando voltei um dos lençóis do varal estava completamente inutilizado. Sorte que ela escolheu o lençol (que já estava velho e com alguns buracos de cigarro) em vez de algum vestido de maior valor sentimental. O varal aqui de casa é de parede – a área de serviço é estreita e o aquecedor a gás impede a instalação de um daqueles de teto – e as roupas ficam bem ao alcance das patinhas destruidoras.

Desesperada e sem saber como conter a sanha demolidora da Valentina, resolvi levá-la a um passeio. Aproveitando que a minha avó estava viajando, rumei pra casa dela. Tá, eu sei que gato não é um bicho chegado a passeios. Mas a casa da minha avó fica a cinco minutos de carro do meu apartamento. Tem um terreno grande, gramado, muitos passarinhos e borboletas pra Valentina correr atrás. Achei que ela ia gostar. Odiou. Se entocou na antiga casinha de boneca, que hoje é entupida de entulhos de todo tipo. “Deixa ela aí”, pensei, “uma hora ela sai”. Me enganei de novo. Escureceu. Tentei atraí-la com a voz mais doce que consegui extrair das minhas cordas vocais. Ela não saiu. Ração, biscoito, carne. Nada feito. Achei uma lanterna e arranquei-a a força. Voltamos pra casa.

E a destruição continuava. No intervalo da novela, fui buscar um copo d’água e peguei a gata no pulo (literalmente, de novo) quando tentava derrubar da parede meu espelho com moldura de bambu. Tudo bem, os sete anos de azar iam ser pra ela. Mas quem ia ficar sem o espelho era eu. E, junto com o espelho, ia pro chão uma lanterna indiana linda, dessas que você põe uma vela dentro, pela qual eu paguei quase duzentas pratas. Consegui evitar o desastre. Mas foi por pouco.

Saldo (negativo) da primeira semana da Valentina aqui em casa:
- um pano de prato e um lençol transformados em farrapos;
- dois tapetes de sisal meio descabelados e com as bordas viradas para cima;
- um sofá um pouco arranhado;
- minha calça jeans preferida com vários fios puxados;
- uma tieflera destroçada e muitas plantas com folhas a menos;
- algumas caixas de CD quebradas;
- duas almofadas desfiadas,
- inúmeros arranhões, incluindo um perto da unha do mindinho direito que arde só de chegar perto da água.

Foi aí que eu me toquei que talvez tivesse que escolher. Primeira opção: moraríamos eu e Valentina num apartamento sem sofá, sem tapetes, sem plantas, sem discos, livros e DVDs, sem nada pendurado nas paredes e sem nunca mais lavar as roupas. Segunda opção: moraria eu com todas essas coisas e sem a Valentina. Liguei pro Rapha na mesma hora. Ele aceitou a gata de volta, mas como estava no trabalho e ficaria lá até de madrugada, pediu que esperasse até domingo para devolvê-la. “Tudo bem”, pensei. “Amanhã cedo desovo a gata na casa dele, antes que ele mude de idéia”.

Parece que a Valentina adivinhou o que estava pra acontecer, porque no domingo ela se comportou como uma lady. Perdi a coragem de abandoná-la, resolvi dar mais uma chance pra ela. Liguei pro Rapha pra comunicar minha nova decisão. E não é que ele não atendeu o celular nem o telefone de casa?

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Despertador é bom para a gente se virar para o outro lado e dormir de novo *


Tenho um problema sério pra acordar na hora. Que se agrava devido a uma outra dificuldade que me acompanha desde pequena: não consigo dormir cedo. Na verdade, nem tento mais.

Quando era criança, tinha a famigerada “hora de dormir”. E lá ia eu pra cama sem um pingo de sono. Deitava e ficava rolando de um lado pro outro, cada vez mais agoniada e com menos sono. Acho que é por isso que hoje em dia eu só vou deitar quando não consigo mais manter os olhos abertos – o que só acontece lá pras duas, três horas da madrugada.

A questão é que eu tenho que estar de pé às oito. E preciso de, no mínimo, oito horas de sono por noite para estar lépida e fagueira no dia seguinte. O que nunca acontece, já que oito menos três igual a cinco. Resultado: não consigo acordar na hora. E na sexta-feira estou reduzida a um farrapo, um zumbi, um molambo.

Na adolescência descobri uma solução confortável para o sono sem fim. Levava sempre um casaco dentro da mochila que assim, recheada, virava um travesseiro. Dormi durante incontáveis aulas de química (que nunca me fizeram falta; já o sono...). Só que agora não dá mais pra usar a estratégia da mochila-travesseiro. No colégio, éramos cem alunos na turma. No meu trabalho, somos dez na sala. Não ia ficar nem bem.

A hora de acordar também é muito mais difícil agora. Na época da escola, tinha a minha mãe pra ficar me chamando de cinco em cinco minutos até eu levantar. Agora eu conto com quatro despertadores. Isso mesmo: QUATRO. É que eu acostumo com o jeito de desligar as pestes. Quando isso acontece, já era: desligo dormindo. Aí é hora de comprar um novo. E eu odeio gastar dinheiro com isso! Acho que deviam distribuir despertadores de graça (e guarda-chuvas também, mas isso não vem ao caso agora).

A tática é a seguinte: três despertadores ficam na cabeceira. O primeiro começa a tocar trinta minutos antes da hora em que eu preciso acordar. A partir daí, a cada cinco minutos alguma campainha invade os meus sonhos. Engraçado como o melhor sono, com sonhos lindos, é justamente o dessa hora. Até que toca o despertador que fica no banheiro da suíte (estrategicamente colocado lá, assim eu tenho que sair da cama pra desligar), programado para o último minuto em que ainda é possível acordar, tomar uma ducha rápida, vestir a primeira roupa que eu achar no armário, sair correndo e chegar no trabalho só dez minutos atrasada.

Mas – eu sempre me surpreendo comigo mesma – ultimamente tem acontecido cada vez com mais freqüência de eu me levantar, desligar o despertador do banheiro, voltar pra cama e dormir de novo. E, quando eu acordo, não me lembro de ter feito isso! E agora?

*A frase do título é do Mario Quintana, que compartilhava comigo o ódio pelos despertadores. Também é dele “O despertador é um acidente de tráfego de sono”. E o poema do qual reproduzo um trecho a seguir. Bravo, Quintana!

O Tempo
O despertador é um objeto abjeto.
Nele mora o tempo.
O Tempo não pode viver sem nós,
para não parar.
E todas as manhãs
nos chama freneticamente
como um velho paralítico
a tocar a campainha atroz (...)

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Coisas que eu não fiz


[ilustração do weno]


Nunca vi um ornitorrinco. Nem uma baleia. Orca não conta, não é baleia. Nunca matei uma barata com chinelo. Só na base do spray de veneno e, mesmo assim, bem de longe. Nunca comi jiló nem quiabo, mas não gosto de nenhum dos dois. Nunca andei de helicóptero, nem de patinete, nem de pogobol, nem de monociclo.

Não conheço Amsterdã, Praga, Barcelona, Machu Pichu, a Provence, Madri, Fernando de Noronha, Nova Iorque, Istambul, as ilhas gregas, Havana, São Luís do Maranhão, a Polinésia francesa... Droga!

Não me formei em psicologia, educação física nem veterinária. Comecei todos esses cursos, não terminei nenhum. Acabei virando jornalista mesmo. É a melhor profissão pros indecisos, porque um jornalista tem a oportunidade de aprender um pouco sobre várias coisas. Hoje, por exemplo, sei muito mais sobre doenças infecto-contagiosas do que eu gostaria.

Nunca pulei de asa delta, parapente, pára-quedas nem bungee jump. Considero a possibilidade da asa delta e do parapente. Pro pára-quedas, eu precisaria de algum preparo psicológico antes. Bungee jump só se me empurrarem morta lá de cima.

Não escalei nenhuma montanha, não pulei de nenhuma cachoeira, não desci corredeiras de bote, não li Os Sertões, não aprendi a falar alemão. Ah, e não fui eu que quebrei o lustre da sala, viu mãe?

A revolução dos eletrodomésticos

Ao contrário do que o título do post pode levar a crer, não pretendo falar aqui sobre as novidades tecnológicas no ramo dos aparelhos eletrônicos. Nem comentar o boom que as vendas em 24 parcelas das Casas Bahia causaram no consumo de eletrodomésticos. Quero contar, isso sim, que os MEUS eletrodomésticos resolveram, de uma hora pra outra, se amotinar contra mim.

Começou com o já combalido computador. O velho PC sucumbiu aos anos de uso sem nenhum upgrade. O caso foi resolvido pelo meu pai, que esteve aqui recentemente e, sempre que vem ao Rio, dá uma de professor Pardal na minha casa.

Em seguida, o microondas pifou. Acende a luzinha, gira o prato, faz barulho; só não esquenta a comida. Talvez a Graça, faxineira e furacão, o tenha atingido com seus gestos tão delicados. Tirei da tomada e esquento a comida no fogão, que não tinha tido muito uso até agora.

Depois foi a vez do controle remoto do DVD. Verifiquei que ele tem alguma coisa solta dentro e atualmente só funciona como chocalho. E descobri que sem ele não consigo acessar o menu dos filmes.

Por último, e para o meu maior desespero, uma pecinha do som se soltou quando eu escutava uma sessão de discos de fossa. Acho que era nessa pecinha redondinha que o CD se encaixava dentro do som. Nem preciso dizer que a deprê piorou. Mas, felizmente, meus parcos conhecimentos sobre fios e cabos foram suficientes para ligar um disc man velho no som.

Andei pensando em colocar a geladeira, a televisão, o liquidificador, a máquina de lavar, o disc man e o ventilador no seguro. Fica mais barato, vai que eles resolvem aderir à revolução?

Será este o fim da minha bagunça?

Percebi que agora, com a Valentina em casa, vou ser finalmente obrigada a ser menos bagunceira. Sim, porque imagine um filhote de gato com o diabo no corpo no meio de pilhas de bagunça. Agora tente ver o filhote de gato aterrissando em cima de uma dessas pilhas. Imaginou? Então viu.

Estou até usando o armário de sapatos em vez de deixá-los todos espalhados no quarto bem à mão (ou ao pé) - hábito muito útil na hora de calçar qualquer coisa quando se está correndo atrasada pro trabalho. Mas que, admito, não causa um efeito muito bom na decoração. E as pilhas de bagunça eu escondi dentro de um armário.

terça-feira, 22 de maio de 2007

É só ter papel e barbante

Ontem de noite, eu e a Valentina nos divertimos adoidado com uma bolinha de papel e um barbante – eu me cansei no meio da brincadeira e ela ainda no maior gás. Gato é um bicho muito fácil de agradar!

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Casa nova

Eu, que nunca tinha tido gatos antes (sempre fui mais cachorreira), confesso que estava com um pouco de medo de não saber lidar com a Valentina. Acomodei a gata dentro da casinha acolchoada no banco do carona e dirigi devagarzinho até em casa, a minha mão direita fazendo carinho no pêlo branquinho dela. Como tremia!

Chegando em casa, coloquei a casinha no quarto de televisão e me sentei pra ver um filme. Ela continuava imóvel lá dentro, sem soltar nem um miado. Só saiu quando eu me levantei pra beber água. E se instalou embaixo do sofá. Achei melhor deixar ela lá, uma hora ela ia acabar saindo sozinha. E não é que saiu mesmo? E pulou em cima das minhas pernas, sem a menor cerimônia. Vimos o resto do filme assim, ela no meu colo ganhando um cafuné atrás da orelha. Foi aí eu vi que ainda vamos ser grandes amigas.

Rapha salva Valentina

Ontem levei a Valentina pra casa. Tão pequenininha e já tem tanta história pra contar...

Veio de Araruama até o Rio dentro do motor de um carro. Ninguém sabe como ela foi parar lá, mas imagino que, para ter entrado num lugar tão apertado, escuro e sujo, boa coisa não deve ter acontecido. Deu sorte que o dono do carro em questão mora no mesmo prédio do Rapha, um amigo meu que é apaixonado por gatos. E mais sorte ainda do Rapha ter passado perto do carro e ouvido os miados dela.

Mas o sufoco ainda não tinha terminado. O Rapha interfonou pro dono do carro, explicou a situação e pediu pra ele descer e abrir o capô. O cara falou que não ia descer! Agora, o que pensa uma pessoa que se nega a pegar um elevador até a garagem pra tirar um gato que está preso no motor do carro? Será que ele preferia dar de cara com um cadáver da próxima vez que fosse completar a água?

Aí o jeito foi o Rapha ficar de plantão na garagem esperando o gato sair (era uma gata, mas, a essa altura, ele ainda não sabia disso). E saiu: magrela, suja e com uma pereba no olho.

Ontem, quase um mês depois do episódio do carro, teve churrasco na casa do Rapha. Era aniversário do Felipe, filho mais velho do meu amigo. E quem ganhou o melhor presente fui eu. Voltei pra casa com a Valentina – que até ontem se chamava Tempestade (pois é, o Rapha tem muitas qualidades, mas entre elas não está o bom gosto na escolha de nomes para gatos) –, já curada do probleminha no olho, uma caminha acolchoada, um punhado de ração, um pratinho e uma caixa de areia. Kit completo.

Essa foi a história do Rapha e da Valentina. A minha história com ela está só começando. E, do jeito que eu sou, tenho certeza que daqui a pouco minha casa vira um albergue pra gatos.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Zen


[ilustração do weno]


Minha amiga Ana me deu de presente um vale-massagem. Presentaço! Mas eu, enrolada que só, ainda não tinha ligado pra Luisa, a massoterapeuta, pra marcar um horário. Até que essa semana, quase um mês depois do aniversário, a Luisa me ligou. Marcamos pra hoje.

Está comprovado: nada melhor pra encerrar a semana que uma bela massagem. Uma hora e meia de relaxamento total. Tô zen. Valeu, Ana! Melhor presente de todos os tempos. Agora sim o inferno astral acabou! Urucubaca nenhuma me pega mais. Bom, pelo menos até segunda...

Respiração boca a boca

Tava na minha, num domingo à noite, já pra lá de Bagdá num boteco com alguns amigos. Me aparece do nada um sujeito, senta do meu lado e começa a me dizer como eu sou linda, que ele tá morrendo de vontade de me dar um beijo na boca e essas coisas que eles dizem e que a gente fica toda boba (desde que eles sejam bonitos e interessantes, como no caso). Eu, já bêbada, mas ainda com algum autocontrole, dispensei o beijo, mas anotei o telefone do rapaz (e ele, o meu).

Já tinha até esquecido o assunto (pois é, sofro de amnésia alcoólica) e amargava uma triste segunda-feira de trabalho quando ele, que vou chamar de Rafael (porque é o nome dele, mesmo), ligou. E também ligou terça, quarta e quinta. Me empolguei com a insistência do pretê e aceitei o convite pra sair com ele. Rolaram uns beijos, uns amassos, ligou na sexta, paixonite à vista.

Fim de semana: o sujeito some. Pulga atrás da orelha já começa a me incomodar. Mas liga de novo na terça, na quarta e na quinta. Saímos de novo. Horas e horas de conversa me mostraram que, além de lindo, o cara é inteligente, bacana, engraçado. Já foi nadador, como eu, adora cachorros, eu também. Nós dois gostamos de mergulhar, nenhum dos dois gosta muito de carne vermelha. Prometeu me ensinar a surfar e eu prometi levá-lo ao terreno da minha família na Ilha Grande. Tudo bom demais pra ser verdade.

Foi aí que eu fiz a pergunta fatal: “Você não é casado, não, né? Nem tem namorada?”. A que ele respondeu com um enigmático: “Tenho um relacionamento”. E não parou por aí. Disse: “Resolvi que não vou mais me privar de nada”. E veio com aqueles papos de sociedade hipócrita, monogamia não existe, rolou uma coisa muito forte entre nós etcétera e tal. Tudo bem, Rafael, até concordo em parte. Mas, meu bem, nessa vida a gente tem, sim, que abrir mão de muita coisa. E, pela minha experiência, quando a gente gosta de alguém, a gente quer mais é abrir mão de todas as outras possibilidades. E a sua namorada? Ela sabe que você anda por aí não se privando de nada? Seria justo ela saber pra poder, também, não se privar. Não acha, não?

E o mais surpreendente dessa história toda foi que eu não fiquei mal, nem triste, nem danada da vida com isso. Pelo contrário, me fez até bem. Os beijos do Rafael (e o papo, os elogios e outras coisinhas que eu não vou contar aqui) fizeram uma verdadeira manobra de ressucitamento na minha combalida alminha, que eu julgava morta. Por isso, obrigada, Rafa! Mas da próxima vez que você ligar, eu não vou atender, não, tá?

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Só o Buk me entende!

The aliens (Charles Bukowski)

you may not believe it
but there are people
who go through life with
very little
friction or
distress.
they dress well, eat
well, sleep well.
they are contented with
their family
life.
they have moments of
grief
but all in all
they are undisturbed
and often feel
very good.
and when they die
it is an easy
death, usually in their
sleep.
you may not believe
it
but such people do
exist.
but I am not one of
them.
oh no, I am not one
of them,
I am not even near
to being
one of
them
but they are
there
and I am
here.

De luto

Chegou no trabalho toda de preto. Perguntaram, brincando:
- Que é isso, menina?Tá de luto?
Respondeu, séria:
- É, tô sim.
- Nossa! Quem morreu?
- A minha alma. Foi morrendo aos pouquinhos, devagarzinho, e ontem, quando eu percebi, tava lá, dura e seca, mortinha da silva.