A chave do problema
Depois de pegar um engarrafamento nada normal para aquele horário – fungando, enxugando as lágrimas e convencida de que aquilo era um complô para me tirar do sério –, cheguei em cima da hora da aula. Parei bem em frente à academia. Peguei as bolsas, escondi o que ia ficar no carro embaixo do banco. Fechei o carro com a chave dentro. O carro trancou sozinho.
Nesse momento, o fluxo dos meus pensamentos – que reproduzo a seguir – ficou meio confuso:
“Caralho, merda, isso tinha que acontecer HOJE? Eu sou muito idiota mesmo!”.
“Hum, mas eu tenho uma chave reserva. Tá lá em casa, na pasta branca que o Gui (meu pai. É, eu chamo meu pai de Gui) montou com toda a papelada do carro. No armário do quarto de televisão, tenho certeza”.
“Ah, quer saber?, vou fazer o pilates, depois vou em casa, pego a outra chave, volto e pego o carro”.
“Putz, a chave de casa tá dentro do carro!”.
“Putaquiupariu! A única outra chave lá de casa tá com o Marcio”.
Dadas as circunstâncias, fui obrigada a fazer a última coisa que eu queria: ligar pro Marcio.
- Marcio, você vem na academia hoje?
- Ahã.
- Agora?
- Já tô indo.
Assim, curta e grossa, sem explicar nada. Ele deve ter pensado que eu estava terminando o namoro, sei lá. Dez minutos depois ele apareceu na academia. Sem a chave, que ele só foi buscar depois de esclarecida a situação. Fez questão de me acompanhar até em casa, apesar de eu ter saído andando na frente, pisando duro, sem olhar pra ele.
Chegando em casa, fui direto olhar no armário onde eu tinha certeza que a pasta do carro estava. E, adivinha só?, não estava lá. Em vez de bater a cabeça na parede, fui tomar um banho pra acalmar. Aí me lembrei: a chave só podia estar na casa da minha avó, onde eu morava antes, junto com umas outras pastas cheias de material da faculdade que, aliás, já deviam ter virado fogueira faz tempo.
Liguei pra minha avó e confirmei: a chave estava mesmo lá. Parêntese: eu e minha avó moramos relativamente perto da academia, mas em direções opostas. Sendo assim, eu tinha pela frente uma caminhada de mais de meia hora só pra ir. Pra completar, ia acabar perdendo o capítulo da novela em que iam matar a gêmea má. Droga! Fecha parêntese.
Eu disse que não precisava (com a delicadeza que me é peculiar), mas o Marcio fez questão de ir comigo. “É escuro, perigoso, Nana”, ele disse. Fomos fazendo as pazes pelo caminho e chegamos na casa da minha avó como se nunca tivéssemos brigado.
Meu namorado é um anjo; sou muito sortuda, eu sei. Isso é o que eu digo até arrumar algum outro motivo idiota pra brigar com ele. Quando isso acontecer, puxem a minha orelha, por favor; me façam lembrar deste episódio.
(Mesmo assim, resolvi fazer várias cópias da chave da minha casa e distribuí-las entre os amigos mais chegados. Por via das dúvidas...)
Ah! No fim da história, resgatamos o carro e fomos tomar um chopinho pra comemorar.